Esclerose Múltipla

Depoimento sobre Esclerose Múltipla – Escrito por Otávio Freitas, Neurocirurgião

Em 2009, enquanto estava no meu 3º ano de residência em Neurocirurgia, desenvolvi Esclerose Múltipla. Desenhava-se uma situação única: um neuro com esclerose. Confira a minha história.

Da direita para a esquerda: Otávio Freitas, um neurocirurgião com esclerose múltipla desligada há 8 anos. Maia, sua filha. Jenifer Figueroa, esposa e médica.

E as pesquisas científicas já comprovam: a meditação pode sim auxiliar no combate de transtornos psicológicos como ansiedade e depressão.

Certamente muitos de nós, os portadores de Esclerose Múltipla (EM), têm histórias muito marcantes, profundas e cheias de renovação. Acredito que minha jornada seja realmente peculiar e interessante e, por isso, a compartilho aqui.

Desconheço outro ser como eu, ou seja, o único Neuro com Esclerose Múltipla que já vi em toda minha vida. Pois é, assim começa minha história com a bendita Esclerose Múltipla. Estava eu no terceiro ano de residência de Neurocirurgia em 2009, sob muito estresse, mas isso também já era de se esperar, afinal de contas, um residente é um especialista em formação. Apesar de todo o treinamento e dedicação dos preceptores, realmente não estamos preparados para o turbilhão de emoções, perdas e enfrentamentos diversos aos quais somos submetidos todos os dias. Então, um dia, desenvolvi um incapacitante borramento visual no olho direito e, nesse momento, já passou pela minha cabeça que poderia ser essa doença degenerativa, progressiva e desprovida de misericórdia, cuja evolução é implacável. Naquele momento ainda não configurava EM, pois era um surto isolado e, com isso, chegamos no diagnóstico de Síndrome Clínica Isolada, mas como 80% dos portadores dessa condição evoluem para EM, em seguida iniciei o tratamento com o famoso Interferon B1a. Com isso, houve início essa primeira fase de desesperança, que só não foi pior pela minha forte negação da doença, pois continuei tentando levar uma vida o mais normal possível, apesar do cansaço e fraqueza constantes, claro, agravados substancialmente no dia da aplicação do Interferon e no dia seguinte. Aplicava sempre à noite e, mesmo ingerindo 1g de dipirona antes da aplicação, passava uma noite horrorosa, com dores difusas e, às vezes, até febre. Mas ainda podia piorar, porque no dia seguinte a carga de trabalho era imensa e a demanda tinha que ser cumprida, pelo bem-estar dos pacientes. Continuei em um processo de negação, até que no ano seguinte (2010), bem no meio de um mergulho com cilindro, pude observar sozinho lá embaixo, envolvido naquele silêncio revelador, um formigamento no segundo e terceiro dedos da mão direita. Naqueles dias participava de um congresso (o Brasileiro de Neurocirurgia), e ao terminar o evento, voltei e realizei uma nova Ressonância de todo o neuroeixo e constatamos uma nova placa na medula cervical em C2. Não havia placas desmielinizantes cerebrais, como no primeiro surto, mas era a confirmação que eu mais temia. Eu estava, sem sombra de dúvidas, entre os 80% para os quais a doença evoluiu.

A partir daí a negação deu espaço à raiva. De forma alguma eu aceitava ou entendia a razão dessa doença tão complicada, justo eu! E que ironia do destino, pois eu conhecia cada pequeno detalhe, cada nuance dos sinais, sintomas e a clínica tão exuberante dessa patologia. Mantive o tratamento aos trancos e barrancos, sem alterar doses, pois os surtos, “com muita sorte”, haviam sido pouco exuberantes do ponto de vista clínico. Alguns processos internos (psicológicos) já estavam bem resolvidos, mas nem perto do ideal, obviamente.

No ano seguinte (2011), quando já estava de volta a minha cidade natal, Pelotas, exercendo, a muito custo o ofício de Neurocirurgião, voltei a apresentar mais uma vez um borramento visual. Dessa vez, foi no outro olho, o esquerdo. Mas o que mais me marcou nessa época foi ver o desespero no olhar de meu pai – ironicamente outro Neurologista – pois ele, assim como eu, enxergava onde isso poderia parar e como seria minha vida, tentando me reerguer em meio aos tropeços. Quando voltei para Pelotas, iniciei acompanhamento psicológico com dois psiquiatras amigos fantásticos, que me ajudaram muito a compreender e enfrentar toda essa situação. A partir daí fiquei na erraticidade por um tempo, absolutamente perdido, pois literalmente, nessa situação não sabemos o que esperar da vida. Os planos tornam-se nebulosos, outros problemas se tornam muito pequenos, as alegrias são sempre passageiras. Fiz a minha própria busca, como muitos dos meus pacientes também fazem, tentando entender os motivos, afinal de contas sempre acreditei em Deus e sei que Ele é justo. Enfim, foram muitas reflexões, viagens internas e também literais tentando compreender as razões e juntando forças para me manter bem, mental, emocional e espiritualmente.

Voltei a praticar esportes com mais entusiasmo em meados de 2012.

Mas, deixando de lado as lamúrias… Em 2012 as coisas começaram a mudar, pois conheci uma médica que, pela primeira vez em muito tempo, injetou uma nova esperança nesse turbilhão que virara minha vida. Ela começou inicialmente com um papo de Medicina Ayurvédica, pois tinha uma amiga com Esclerose Múltipla que melhorara muito após instituído o tratamento nessa medicina milenar. Logo em seguida, a colega médica, que inclusive possui traços marcadamente indianos, sugeriu fortemente o tratamento com altas doses de vitamina D. Foi a primeira vez que algum colega médico discutia outras opções de tratamento comigo e eu já havia entrado em contato com os relatos da vitamina D anteriormente, entretanto, eles sempre vinham de alguém muito bem intencionado, mas sem conhecimento profundo de causa. Nesse meio tempo, participei de inúmeros congressos de Esclerose Múltipla (no Brasil e no exterior), sempre com pouquíssimas citações da vitamina D e sempre mencionada de forma muito solta, sem qualquer protocolo específico de tratamento, muitas vezes relacionada apenas à prevenção. Enfim, resolvi acatar aquela ideia da médica, que veio a se tornar minha namorada logo em seguida.

Após uma consulta com Dr. Cícero, em meados de 2012, comecei o tratamento com altas doses de vitamina D e, após alguns meses, a fadiga e o cansaço abandonaram meu corpo. Voltei a praticar esportes com mais entusiasmo, vindo a participar de competições de endurance, como Triatlon e uma prova de ciclismo de 200km chamada Audax. Após três meses do novo tratamento, abandonei completamente o uso do Interferon, muito feliz de estar livre das agulhadas semanais e, principalmente, de tudo que elas envolviam: as dores, o cansaço, a febre e a lembrança constante da doença grave e degenerativa que evolui implacavelmente, deixando marcas profundas no nosso caráter. Mas isso virou passado, aquela namorada virou noiva, depois esposa e hoje temos uma filha de quase 2 anos.

Eu nunca mais apresentei qualquer novo surto, estando há oito anos com a EM desligada. Mantenho em meu peito um sentimento de gratidão profunda pela renovação que Dr. Cícero me proporcionou, permitindo não só desligar a doença, mas recolocar a ordem em meio ao caos. Após experiências como essa nunca permanecemos sendo os mesmos. O fato de vivenciar a doença por anos, com um surto por ano, me permitiu uma série de reflexões e um amadurecimento muito significativos. Enfim, hoje sou extremamente grato ao fato de ter apresentado Esclerose Múltipla, pois ela me proporcionou transformações muito profundas na maneira de encarar a vida, de perceber o que é realmente um problema e, acima de tudo, me deu duas experiências sem precedentes.

A primeira foi estar do lado de lá da consulta, pois o fato de ter sido um paciente com doença grave e incapacitante me permite compreender melhor o estado em que alguém se encontra ao trilhar esse caminho.

A segunda foi sair desse estado de doença e encontrar um novo caminho de saúde, bem-estar, com novas idéias e novos planos, enfim, sentir-me vivo outra vez! Hoje tenho o prazer de trabalhar com este Protocolo e ajudar inúmeras pessoas assim como o Dr. Cícero me ajudou.

Espero que meu exemplo neste breve relato possa elevar o nível das aspirações de muitos portadores de EM, trazendo novamente alegria, saúde e paz para suas vidas!

Quem é o Dr. Otávio Cunha Freitas?

É neurocirurgião e apaixonado pela medicina funcional. Vê nos conceitos da medicina integrativa a solução para muitas das doenças. Acredita que, para manter a saúde de todo o corpo, é preciso tratar o corpo como um todo, respeitando a inter-relação entre órgãos e sistemas. É entusiasta da Lifestyle Medicine, a medicina do estilo de vida.

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